Este trabalho teve o objetivo de tentar reconhecer as trajetórias da vivência de um território e das experiências de encontros com pessoas em situação de rua, no contexto de atendimentos durante o ciclo gravídico-puerperal, assim como perceber as repercussões desses momentos sobre as práticas de cuidado da pesquisadora no âmbito da atenção à saúde, compreendendo as vivências dessas pessoas até ali. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, o qual possibilita o acompanhamento e investigação de um processo, abrangendo particularidades dos comportamentos e atitudes dos agentes sociais, bem como os sentidos e significados que as pessoas atribuem às suas experiências. Foram analisadas as trajetórias e vivências de cinco pessoas em situação de rua em um ambulatório da atenção primária em Salvador (Bahia). A investigação utilizou preliminarmente as técnicas de entrevistas narrativas e observação participante, com prévia autorização de um Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos. Os diálogos foram transcritos e, posteriormente, as falas analisadas, discutidas e categorizadas. As categorias de estudo foram: a inspiração metodológica e as protagonistas dos encontros; os (des)encontros com as mulheres em situação de rua; trajetórias e (sobre)vivências; trajetórias de uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas; trajetórias reprodutivas e maternagem e trajetórias de vivência do gênero nas ruas. É válido dizer que, embora sejam várias as motivações para ida às ruas, as transformações promovidas pelo neoliberalismo, ao intensificarem a pobreza, vulnerabilidade e desigualdades sociais, tornaram mais frequente a presença de indivíduos e famílias vivendo em situação de rua, como uma opção de vivência e subsistência. E nesse contexto, a vivência do gênero num local de intensa fragilidade e violação de direitos apresenta inúmeras peculiaridades, como assim também o são as inúmeras formas e estratégias de se viver n(a) rua. Foi possível, assim, uma melhor compreensão das experiências dessas pessoas, através de suas próprias percepções, permitindo projetar uma melhor assistência a essas mulheres. Com isso, surgiu o “Projeto Manjedoura”, apresentado como um dos produtos deste estudo, e que trata da criação e efetivação de um fluxograma assistencial que objetiva principalmente a assistência integral e interdisciplinar às gestantes em situação de vulnerabilidade, particularmente, pessoas em situação de rua, unindo serviços da Rede de Atenção Primária e Secundária em Salvador (Bahia). Ao se conferir escuta qualificada e entendimento das demandas individuais e particulares destes usuários, pode-se potencializar o estabelecimento de um plano de cuidado mais efetivo a tais pessoas. E tudo isso se faz ainda mais importante, quando se trata de mulheres, num contexto em que, por vezes, as inúmeras formas de violência de gênero numa sociedade sexista, machista e patriarcal fazem com que elas estejam fragilizadas, violentadas, dia a dia, e com todo o seu protagonismo apagado. A partir deste estudo e seus produtos, espera-se o fortalecimento do vínculo com a rede de atenção em saúde local e consequente melhoria das ações, a fim de promover resultados positivos quanto aos desfechos obstétricos e neonatais, além de ampliação da estratégia para demais serviços da rede assistencial.